Rasgando o peito

Madu
3 min readMar 2, 2024

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Tinha pensado sobre o amor a semana inteira.

Conseguia vislumbrar pequenas lembranças embaçadas de quando, ainda criança, comecei a me perguntar a respeito desse tema. Desde aí nunca tive pretensão de definir o amor, obviamente, mas esperava que com minhas experiências eu pudesse chegar um pouco mais perto do que ele de fato significava. Esperava que, vivendo, fosse capaz de entender como se amava do jeito certo, da forma como as pessoas normalmente adjetivavam esse sentimento. Era enquanto tentava me bastar de novo e me contentar com o que eu buscava que frequentemente eu me lembrava das palavras dele sobre esse meu jeito.

“Você é insaciável. Sempre vai estar insatisfeita, sempre vai desejar ter mais”.

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Não importava o que acontecesse, essas frases sempre pareciam ser a verdade absoluta a meu respeito. Todas as vezes em que eu me atirava de corpo e alma ao que quer que fosse, parecia que meu destino final se abrigava nessas letras, que a sonoridade das palavras se tornava o próprio tom da minha voz, que cada sílaba me atravessava pelo meio do peito e chegava aos lugares muito antes de mim, só para me mostrar que não havia nenhuma escapatória sobre isso.

Talvez essa fosse a explicação do porquê eu pensava tanto no amor, especialmente nos últimos dias. Quanto mais eu buscasse entender e mesmo amar o que quer que fosse, haveria sempre uma parcela faltosa que me instigaria até os ossos atrás de mais. Saciaria minha sede, mas não o bastante; comeria até perder os sentidos, mas não cederia meu lugar diante da mesa. E mesmo sem nenhuma garantia da conquista desse mais, eu ainda sangraria até a última gota para ao menos tentar usar os lábios outra vez, uma última vez, porque talvez nela, finalmente, eu encontrasse o que queria.

Esse mesmo amor insaciável eu atirava ao vazio, já que ele não estava por perto, nem ao menos para rir e me olhar como se conhecesse o pior da minha essência e ainda me amar da mesma forma.

Como quase todo ser humano que depende de opostos para conceber o que quer que seja, eu costumava ter a impressão de que existiam dois tipos de amor, não porque se tratava de uma polarização ou simplesmente da dualidade, mas porque um deles é, de fato, incognoscível, e só nos resta portanto costurar impressões e conjecturas à existência dele. Esse, indefinido, era o que tentávamos apelidar de “amor verdadeiro”, ou talvez o “amor incondicional” que deveríamos sentir uns pelos outros e do qual falávamos como se o praticássemos. Nunca conheci uma pessoa que amasse verdadeiramente, mesmo os amores mais belos que pude testemunhar. Esse tipo de amor me parecia estranho, exatamente porque soava perfeito demais e isso me fazia crer que não havia espaço para mim no meio de toda essa impecabilidade. O outro tipo de amor poderia ser qualquer um que não seguisse os parâmetros do primeiro ou se distanciasse dele um milímetro que fosse. Era um amor, muito provavelmente, insaciável.

Daí em diante, eu imaginava que amar era algo puramente humano, e que assim sendo jamais poderia ser como o primeiro tipo de amor, que em nada tinha características humanas, já que além de sermos capazes de entender o tipo de amor que devotamos (quando prestamos atenção nisso, é claro) também poderíamos modificá-lo, ou simplesmente amar de um outro jeito quando necessário. Pensar em algo verdadeiro ou sem condições me soava mais como uma coisa estática (firme, concisa, coerente), ou, em outras palavras, algo que jamais poderia ser eu, porque eu sempre queria mais.

Isso não é a verdade, e o que eu procurava era a verdade. Nem que fosse só a minha. Nem que fosse só sobre o meu jeito de amar.

Mesmo que ele nunca estivesse satisfeito comigo.

Madu.

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Madu

Pernambucana, aspirante a escritora, nas nuances da transformação. Na mira do amor e da dor.