Espadas

Madu
2 min readSep 20, 2023

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Todos nós sonhamos com a liberdade. Clarice Lispector até vai além quando diz que isso “ainda é pouco”; ansiamos por um desprendimento quase completo do mal estar, do sofrimento e da realidade. Para muitos isso é ser livre.

Particularmente acredito que essa completa abstração é tão somente impossível quanto a ideia de que jamais seremos — às vezes até de modo brutal — atravessados pelas consequências das nossas ações; mas como teimosia é um dos melhores e mais resistentes traços humanos, cá estamos.

Seja lá quem tenha cunhado a expressão “espada de dois gumes” decididamente merece seu mérito pela precisão do significado. Ela não apenas representa aquelas situações onde independente das duas (ou mais) formas sairemos com alguma desvantagem, como também remete à ideia de que fazer uma escolha sempre terá implicações com as quais não estamos totalmente dispostos a lidar. Minha mui breve reflexão aqui é sobre a dificuldade de fazer tais escolhas, e não obstante, sobre a ilusão da isenção.

Nossas escolhas podem até nos dar a falsa impressão de que somos livres (afinal não teríamos esse direito caso não fôssemos), mas na verdade elas também nos prendem, inevitavelmente, àquilo que as sucede, tenhamos controle total disso ou não. (Mais um dos paradoxos da nossa existência?). Esse fato torna tão difícil escolher entre duas ou mais opções porque além da necessidade de assumir para si o juízo do feito, precisamos estar abertos ao que essa decisão pode nos causar, seja materialmente ou emocionalmente. Isso muitas vezes é visto como um risco, e no fundo nem sabemos mesmo se consiste numa boa aposta, afinal a vida é o imprevisível. Apesar de tudo, não conheço ninguém que foi capaz de escapar disso. Ainda assim somos chamados à ação, sempre e cada vez mais.

E quando optamos por não assumir responsabilidades e fazer escolhas, nos damos a falsa impressão de que “não agir” é garantia de que estaremos isentos de qualquer consequência que possa estar associada a ambas as coisas. Ora, sem ação não há reação! No entanto, como tende a acontecer, nesse movimento só nos enganamos ao assumir de forma ingênua que a atitude de “não agir” não corresponde, por si mesma, a uma ação, especialmente porque é através dela de que você conscientemente dá espaço para as circunstâncias assumirem o total controle daquilo que poderia ser contornado ou mudado.

Quando escolhe não agir, você permite que outras coisas ajam sobre você. Você dá espaço e lugar para que consequências tomem proporções maiores, sem estar minimamente preparado para isso.

Com quais espadas você tem escolhido lutar ultimamente?

Qual delas, de fato, dá liberdade suficiente, mesmo que não possua nome?

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Madu

Pernambucana, aspirante a escritora, nas nuances da transformação. Na mira do amor e da dor.