Escutar

Madu
2 min readMay 22, 2023

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Talvez sempre exista uma voz.

Frequentemente eu a ouço dentro dos meus pensamentos, não somente da cabeça. Ela diz coisas sobre o que eu venho imaginando e coisas que já morreram. Ela é a voz do medo, é a voz da narrativa desse medo, que fala através dele coisas que existem enquanto não existem. Talvez jamais existam.

Talvez sempre exista essa voz porque foi ela que também me ensinou a ouvir todas as outras, embora a sua soe como um trovão destruindo uma casa e as outras como o som da brisa tocando um dente-de-leão. Talvez essa voz me acompanhe e talvez morra antes de eu chegar debaixo do chão.

Essa voz muitas vezes se sobrepõe à minha própria, me faz achar que falamos a mesma língua enquanto usa a minha boca para fazer suas verdades acontecerem. Essa voz tem a cor dos meus olhos.

Quando ela cala, de súbito, como o choque de um susto, começo a procurá-la dentro de mim outra vez, não porque precise dela, mas porque sem ela eu não sou capaz de entender qual voz devo seguir. Ela me diz coisas que jamais mudam independente do que mude sobre essas coisas. E eu jamais teria sido capaz de achar minha voz sem a voz do meu medo.

Agora tomamos chá juntas e descansamos as cordas vocais, na espera silenciosa dos verbos de outro amanhecer.

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Madu

Pernambucana, aspirante a escritora, nas nuances da transformação. Na mira do amor e da dor.